LUÍS VAZ DE CAMÕES
a força da lira portuguesa
- poesia épica de grandeza mundial
Luís
de Camões nasceu por 1524 ou 25, provavelmente em Lisboa.
Seus pais eram Simão Vaz de Camões e Ana de Sá.
Tudo parece indicar, embora a questão se mantenha controversa,
que Camões pertencia à pequena nobreza. Um dos documentos
oficiais que se lhe refere, a carta de perdão datada de 1553,
o dá como "cavaleiro fidalgo" da Casa Real. A situação
de nobre, porém, não constituía qualquer garantia
econômica.
O
fidalgo pobre é, aliás, um tipo bem comum na literatura
da época. São especialmente certeiras, e baseadas
num estudo bem fundamentado, as palavras de Jorge de Sena, segundo
as quais Camões seria e se sentia nobre "mas perdido
numa massa enorme de aristocratas socialmente sem estado, e para
sustentar os quais não havia Índias que chegassem,
nem comendas, tenças, capitanias, etc." É difícil
explicar a vastíssima e profunda cultura do poeta sem partir
do princípio de que freqüentou estudos de nível
superior.
A
hipótese de ter Camões estudado em Coimbra, freqüentando
o mosteiro de Santa Cruz deve-se ao fato de um parente seu ter sido
prior nesta abadia. Mas nenhum documento atesta a veracidade desta
hipótese; e é fora de dúvida que não
passou pela Universidade. Antes de 1550 estava em Lisboa, onde permaneceu
até 1553. Essa estadia foi interrompida por uma expedição
a Ceuta onde foi ferido e perdeu um dos olhos.
Em
Lisboa, participou com diversas poesias nos divertimentos poéticos
a que se entregavam os cortesãos; relacionou-se através
desta atividade literária com damas de elevada situação
social, entre as quais D. Francisca de Aragão (a quem dedica
um poema antecedido de uma carta requintada e de sutil galanteria);
e com fidalgos da alta nobreza, com alguns dos quais manteve relações
de amizade. Representa-se por esta época um auto seu, El-rei
Seleuco, em casa de uma importante figura da corte. Estes contatos
palacianos não devem, contudo, representar mais do que aspectos
episódicos da sua vida, pois a faceta principal desta época
parece ser aquela de que dão testemunho as cartas (escritas
de Lisboa e da Índia).
Através
do estilo conceituoso, retorcido e sarcástico, revela-se
um homem que escreve ao sabor de uma irônica despreocupação,
vivendo ao deus-dará, boêmio e desregrado. Divide-se
entre uma incansável atividade mulherenga (sem pruridos sobre
a qualidade das mulheres com quem trava relações)
e a estroinice de bandos de rufiões, ansiosos por rixas de
taberna ou brigas de rua onde possam dar asas ao espírito
valentão, sem preocupações com a nobreza das
causas por que se batem. Não parece, por esta época,
ter modo de vida; e esta leviandade descambando para a dissolução
está de acordo com os documentos através dos quais
podemos reconstruir as circunstâncias da sua partida para
a Índia.
Na
seqüência de uma desordem ocorrida no Rossio, no dia
do Corpo de Deus, na qual feriu um tal Gonçalvo Borges, foi
preso por vários meses na cadeia do Tronco e só saiu
- apesar de perdoado pelo ofendido - com a promessa de embarcar
para a Índia. Além de provável condição
de libertação, é bem possível que Camões
tenha visto nesta aventura - a mais comum entre os portugueses de
então - uma forma de ganhar a vida ou mesmo de enriquecer.
Aliás, uma das poucas compatíveis com a sua condição
social de fidalgo, a quem os preconceitos vedavam o exercício
de outras profissões.
Foi soldado durante três anos e participou em expedições
militares que ficaram recordadas na elegia O poeta Simónides
e noutras. Esteve também em Macau, ou noutros pontos dos
confins do Império. Desempenhando as funções
de provedor dos bens dos ausentes e defuntos (do que também
nada se prova). Mas o que se sabe é que a nau em que regressava
naufragou e o poeta perdeu o que tinha amealhado, salvando a nado
Os Lusíadas na foz do rio Mecon, episódio a que alude
na estância 128 do Canto X. Para cúmulo da desgraça
foi preso na chegada a Goa pelo governador Francisco Barreto.
Ao
fim de catorze anos de vida desafortunada (pelo menos ainda uma
outra vez esteve preso por dívidas), intervalada certamente
por períodos mais folgados, sobretudo quando foi vice-rei
D. Francisco Coutinho, conde de Redondo (a quem dedicou diversos
poemas que atestam relações amistosas), empreende
o regresso a Portugal. Vem até Moçambique às
expensas do capitão Pero Barreto Rolim, mas em breve entra
em conflito com ele e fica preso por dívidas. O cronista
Diogo do Couto relata mais este lamentável episódio,
contando que foram ainda os amigos que vinham da Índia que
- ao encontrá-lo na miséria - se cotizaram para o
desempenharem e lhe pagarem o regresso a Lisboa. Diz-nos ainda que,
nessa altura, além dos últimos retoques n'Os Lusíadas,
trabalhava numa obra lírica, o Parnaso, que lhe roubaram
- o que, em parte, explica que não tenha publicado a lírica
em vida.
Chega
a Lisboa em 1569 e publica Os Lusíadas em 1572, conseguindo
uma censura excepcionalmente benévola. Apesar do enorme êxito
do poema e de lhe ter sido atribuída uma quantia anual de
15000 réis, parece ter continuado a viver pobre, talvez pela
razão apontada por Pedro Mariz: "como era grande gastador,
muito liberal e magnífico, não lhe duravam os bens
temporais mais que enquanto ele não via ocasião de
os despender a seu bel-prazer". Verídica ou legendária,
esta é a nota marcante dos últimos anos (e aliás
o signo sob o qual Mariz escreve toda a biografia).
Morreu em 10 de Junho de 1580. Algum tempo mais tarde, D. Gonçalo
Coutinho mandou gravar uma lápide para a sua tumba com os
dizeres: "Aqui jaz Luís de Camões, Príncipe
dos Poetas de seu tempo. Viveu pobre e miseravelmente, e assim morreu".
As
incertezas e lacunas desta biografia, ligadas ao caráter
dramático de alguns episódios famosos (reais ou fictícios):
amores impossíveis, amadas ilustres, desterros, a miséria,
o criado mendigando de noite para o seu senhor; e a outros acontecimentos
cheios de valor simbólico; Os Lusíadas salvos a nado,
em um naufrágio; a morte em 1580 - tudo isto proporcionou
a criação de um ambiente lendário em torno
de Camões que se torna uma bandeira de um país humilhado.
Mais
tarde, o Romantismo divulgou uma imagem que salienta em Camões
o poeta-maldito, perseguido pelo infortúnio e incompreendido
pelos contemporâneos, desterrado e errante por ditame de um
fado inexorável, chorando os desgostos amorosos e morrendo
na pátria abandonado e reduzido à miséria.
Não há dúvida de que os poucos dados conhecidos
e muito do conteúdo autobiográfico da obra autorizam
essa imagem. Mas ela esquece em Camões outras facetas não
menos verdadeiras da personalidade riquíssima, complexa,
paradoxal que foi a sua: o humanista, o homem do "honesto estudo"
e da imensa curiosidade intelectual aberta quer à cultura
mais requintada do seu tempo, quer às coisas tais como se
lhe davam e que a arguta observação descobria, mesmo
que contradissessem os preconceitos culturais vigentes; o pensador
que infatigavelmente vai refletindo sobre os acontecimentos - sociais,
políticos, culturais, individuais... - movido por uma sôfrega
necessidade de compreender, de "achar razões":
graves reflexões sobre o destino da pátria; meditações
sobre o amor, o saber, o tempo, a salvação... Ainda
o homem da dura experiência (viagens, naufrágios, prisões,
desprezos ou perseguições, humilhações
e pobreza) que constitui um suporte vital autêntico do desconcerto
referido na obra (o que, aliás, nada acrescenta ao mérito
literário dela).
Revela-se
notadamente, na sua obra, a lúcida e orgulhosa consciência
que se vai formando da sua genialidade como poeta, da sua superioridade
como homem. Apaixonado, violento, impetuoso, sabe-se grande, independente
das honras e riquezas que não lhe deram e que também
nada alterariam ao valor intrínseco da sua obra e da sua
alta missão cívica; por isso, de forma fidalga, generosa,
esbanja os seus bens (econômicos ou intelectuais) e ganha
essa fama de "liberal e magnífico". A imagem final
que nos fica de Camões é feita de fragmentos paradoxais:
o cortesão galante; o boêmio arruaceiro; o ressentido;
o homem que se entrega a um erotismo pagão; o cristão
da mais ascética severidade. Fragmentos que se refletem e
refratam na obra, que por sua vez revela e oculta um conteúdo
autobiográfico ambíguo, deliberadamente enigmático.
Camões publicou em vida apenas uma parte dos seus poemas,
o que deu origem a grandes problemas sobre a fixação
do conjunto da obra.
Além
d'Os Lusíadas editados em 1572, da lírica apenas foram
impressas algumas composições que introduziam livros
que o poeta pretendia recomendar ou apresentar: os Colóquios
dos Simples e drogas e coisas medicinais da Índia, do Dr.Garcia
de Orta, publicado em Goa em 1563 e a História da Província
de Santa Cruz de Pero de Magalhães Gândavo de 1576.
Toda o resto de sua obra foi publicado postumamente, o que não
é para estranhar demasiado, já que a circulação
das obras - sobretudo líricas - se fazia correntemente em
manuscritos, recolhidos com freqüência em "cancioneiros
de mão", muitos dos quais chegaram até nós
e constituem as principais fontes para as edições
camonianas. Em 1587 foram editados os autos Enfatriões e
Filodemo. Em 1595 tem lugar a primeira edição das
Rimas e logo em 1598 a segunda.
Seguiram-se muitas outras e veio à luz, na de 1645, o auto
de El-Rei Seleuco, a obra dramática de Camões que
restava publicar. Quanto às cartas, duas delas apareceram
na edição de 1598, e as outras duas serão descobertas
apenas no século XX.
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capa
da primeira edição portuguesa dos Lusíadas
- (1572) |
Canto
V(trechos)
- d'Os Lusíadas (Camões)
Estas sentenças tais o velho honrado
Vociferando estava, quando abrimos
As asas ao sereno e sossegado
Vento, e do porto amado nos partimos.
E, como é já no mar costume usado,
A vela desfraldando, o céu ferimos,
Dizendo:- "Boa viagem!"; logo o vento
Nos troncos fez o usado movimento.
"Entrava neste tempo o eterno lume
No animal Nemeio truculento;
E o Mundo, que com o tempo se consume,
Na sexta idade andava, enfermo e lento.
Nela vê, como tinha por costume,
Cursos do Sol catorze vezes cento,
Com mais noventa e sete, em que corria,
Quando no mar a armada se estendia.
"Já a vista, pouco e pouco, se desterra
Daqueles pátrios montes, que ficavam;
Ficava o caro Tejo e a fresca serra
De Sintra, e nela os olhos se alongavam;
Ficava-nos também na amada terra
O coração, que as mágoas lá deixavam;
E, já despois que toda se escondeu,
Não vimos mais, enfim, que mar e céu.
"Assi fomos abrindo aqueles mares,
Que geração algüa não abriu,
As novas Ilhas vendo e os novos ares
Que o generoso Henrique descobriu;
De Mauritânia os montes e lugares,
Terra que Anteu num tempo possuiu,
Deixando à mão esquerda, que à direita
Não há certeza doutra, mas suspeita.
"Passámos a grande Ilha da Madeira,
Que do muito arvoredo assi se chama;
Das que nós povoámos a primeira,
Mais célebre por nome que por fama.
Mas, nem por ser do mundo a derradeira,
Se lhe aventajam quantas Vénus ama;
Antes, sendo esta sua, se esquecera
De Cipro, Gnido, Pafos e Citera....
Dante
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