introdução
e análises -
pág. 10 Na
Música, arte/ciência incontestável, existe a figura
do trítono - diabolus in crucis - focalizado pela Igreja
medieval como elemento proibido nas construções hamônicas
da época porque não apresentava uma finalização,
ou seja, deixava em aberto a sequência musical proposta sem
uma resolução auditiva, levando o compositor ou mesmo
o ouvinte a um intrigante questionar-se sobre o que viria após.
Essa abertura ao questionamento era inaceitável, pois não
se coadunava com a ideologia fechada, pronta e acabada da igreja medieval.
Na arte a igreja defendia a busca da perfeição, e para
tanto era preciso seguir-lhes todos os cânones. O mundo estava
pronto e devia-se aceitá-lo como tal. Ao homem comum nada restava
senão resignar-se. A música sacra cristã seguia
esta orientação tanto quanto todas as outras artes.
Os
três volumes da Comédia são escritos em tercetos
rimados e com apurada métrica, cheios de recursos literários
comuns à época, no estilo provençal, e com grande
riqueza de detalhes históricos, críticas políticas,
excertos de filosofia clássica, de escolástica, citações
helênicas e bíblicas, finíssima e ácida
ironia, além de humor delicado,às vezes, ácido
outras, mas sempre bem dosado. Todos
os Cantos têm entre 130 (mínimo) e 151 (máximo)
versos cada.
De qualquer forma, hoje, pode-se imaginar que a Divina Comédia
de Dante Alighieri foi uma crítica ferrenha ao poder papal
e imperial de sua época, um protesto irônico contra os
modos já decadentes de sua cidade, aos seus políticos
e figurões, e ao mesmo tempo um tratado de Ética e Moral,
Filosofia e Religião, sem se descuidar de aspectos mundanos,
se considerarmos que a língua usada não foi o latim
clássico (comum aos grandes textos), mas o "vulgar"
provençal (para poucos iniciados) usado e difundido a partir
da Langue D'Oc.
parte 1 Dante e Virgílio caminham e se aprofundam pelo inferno. São vários giros pelos Círculos do Inferno - nove Círculos concêntricos ao todo - e do sétimo em diante há círculos menores, ou valas, dentro de círculos - e em cada qual os dois poetas travam encontros e diálogos com as almas das pessoas que cometeram determinados pecados em vida, e também com alguns demônios que se sentem ameaçados e insatisfeitos por tê-los ali, dentre os habitantes infernais - lugar de almas pecadoras, dor e privações. Um ser ainda vivo e protegido por uma alma habitante do limbo, ela mesma, por sua vez, lá colocada por não ser cristã (o poeta Virgílio vivera cerca de mil e trezentos anos antes da era Cristã) deixa os demônios irritados e causa-lhes estranheza. Mesmo no inferno há uma ordem e deve-se obediência a ela. Embora irritados os demônios nada, porém, podem lhes fazer, pois o próprio espírito de luz irradiado de Beatriz, sua musa eterna, fez a solicitação diretamente aos céus e conseguiu a autorização para aquela aventura. Os demonetos devem, portanto, aceitar-lhes as presenças. Cada Círculo do Inferno corresponde a uma volta da cauda de Minós (ser mitológico horrendo, diabólico e julgador dos pecados, habitante das profundezas sulfurosas), por onde os poetas vão descendo, e o número de voltas de sua cauda indicava o Círculo ao qual deveria descer também a alma condenada. Todos que para lá eram enviados padecem da mais horrenda dor e sofrimento e pagam seus pecados em lugares lúgubres, sombrios e imundos. Lá, dentre os muitos, Dante encontra gente de sua época, políticos e religiosos, artistas, homens letrados e comuns, ricos e pobres, contemporâneos a ele, mulheres, velhos e jovens, enumerados numa troça literária, cujo propósito parece estar além de sua vingança pessoal e poética, posto que levará, ironicamente, pela eternidade em inominável martírio, todos aqueles que o traíram, perseguiram e detrataram, ou foram contra suas idéias e seu modo de ser. No poema Dante aponta nominalmente todos os seus perseguidores, além de citar outras pessoas famosas desde a antiguidade, acusando-os dos mais variados crimes e delitos, da simples ignorância e insolência à corrupção e ao assassinato em massa. No Inferno dantesco há lugar para todos os pecados. Àqueles, entretanto, que os cometeram sem o saber, por deslize, fraqueza de espírito, ou simplesmente por ignorarem o Cristianismo e venerarem outros deuses (o caso de Virgílio, guia e mestre na jornada e vários filósofos e pensadores da antiguidade clássica grega e romana anteriores ao cristianismo), reservou-se-lhes, em locais menos grotescos e abjetos do Inferno - no Limbo, a ante-câmara -, penas e castigos menos severos e degradantes. Mas, para os que sabiam o que estavam fazendo, aos conscientes de seus erros, cristãos ou não, os castigos são inomináveis e as agruras eternas. Assim, vemos desfilando em versos rimados (poesis - significatio - significante - jornalismo da época? Eis a função da literatura comparada, uma análise relacional), em dores e sofrimento atroz, por todos os nove círculos do Inferno, desde políticos, embusteiros, ladrões, os de vida fácil, criminosos, homosexuais, falsários, religiosos, enfim, toda a sorte de malfeitores e intrujões que de alguma forma prejudicaram as pessoas e si mesmos durante suas vidas. Quanto mais fundo é o círculo, pior é o castigo, pois pior foi o crime/pecado cometido, numa relação bilateral inexorável. E no mais profundo daqueles buracos, curiosamente o mais gelado, encontra-se o próprio Lúcifer que assiste ao pecador em pessoa e parece se divertir em provocar-lhe dores impensáveis.
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