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Àqueles que cometeram em vida pecados e crimes contra a humanidade, contra as pessoas, contra si mesmos, contra a natureza, enfim, intentaram contra a própria vida em todos os sentidos e no sentido mais amplo desta, resta-lhes apenas o castigo eterno do Inferno que Dante descreve neste primeiro livro da trilogia. Para cada pecado um tipo especial de castigo, alegoria fantástica surgida na mente do poeta, influenciado por seus estudos feitos nas escolas da Igreja, detentora do conhecimento da época e de todas as filosofias orientais e ocidentais, de onde seguramente provém toda a sua ilustração.

Para pecados menos agressivos à conduta ordinária dos homens, e que portanto, prescreve-se-lhes, ainda, uma salvação, Dante reserva alguns giros do Purgatório (sete ao todo). Ali, as almas expiam seus pecados e estão ainda em posição de galgarem o caminho do Paraíso Terreal. Estar no Purgatório é estar a meio caminho do Paraíso, portanto, ainda que se sofra lá de alguma forma, é bem melhor do que estar no Inferno dantesco.

A obra assume também caráter místico e mítico e já rendeu inúmeros estudos aprofundados de literários, religiosos, exegetas e filósofos, que viram nela vários ângulos de uma abordagem carregada de simbolismos, inclusive alguns contrários à própria Roma, à Cúria e ao papado de forma geral, revelando suas fragilidades, sua queda e decadência, o quê, sabe-se, o próprio Dante também viu e experimentou em vida.

No Inferno temos 33 cantos, sendo o primeiro, introdutório, A Selva Escura (segundo estudiosos trata-se da época da vida de Dante em que ele se achava perdido, sem outras perspectivas senão a fuga, sendo cassado e tendo de mudar-se constantemente de lugar, para a casa de amigos com sua família - mulher e quatro filhos, sem poder voltar à sua cidade). Essa selva era um lugar do qual o poeta se vê subitamente impedido de sair por três animais simbólicos e alegóricos - um leão, uma pantera e uma loba, esta última magricela e faminta (Dante deixa claro que a loba é uma alegoria à Cúria Papal e seus asceclas). Ao ver a sombra de uma pessoa entre as árvores ele pede socorro - é Virgílio, poeta que cantou a história e a fundação de Roma, inspirado nas tradições poéticas gregas da Odisséia e da Ilíada de Homero. Virgílio, a quem Dante chamará de mestre daí em diante e a quem dedica sensível respeito, é habitante do Limbo, uma espécie de ante-câmara do Inferno, e o acompanhará em todas as etapas da viagem que empreende ao Inferno e Purgatório atendendo a uma solicitação do Céu, do próprio espírito de Beatriz, a eterna amada de Dante.

Dante e Virgílio atravessando as águas do lago Estige de águas lamacentas.
Pintura de Eugène Delacroix - Louvre - Paris

Nel mezzo del cammin di nostra vita
mi ritrovai per una selva oscura,
ché la diritta via era smarrita.
(canto 1)

CANTO I - Na entrada do Inferno - (trecho)

"Ao ver aquele vulto no deserto, "Piedade!" eu lhe gritei, "ouve os meus ais..."
Inferno - Canto I. (vs. 64/65)

"A meio caminho desta vida
achei-me a errar por uma selva escura,
longe da boa vida, então perdida.

Ah! Mostrar qual a vi é empresa dura,
essa selva selvagem, densa e forte,
que ao relembrá-la a mente se tortura!

Ela era amarga, quase como a morte!
Para falar do bem que ali achei,
de outras coisas direi, de vária sorte,

que se passaram. Como entrei, não sei;
era cheio de sono àquele instante
em que da estrada real me desviei.

Chegando ao pé de uma colina, adiante,
lá onde a triste landa era acabada,
que me enchera de horror o peito arfante,

olhei para o alto e vi iluminada
a sua encosta os raios do planeta
que a todos mostra o rumo em cada estrada..."



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