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Godi,
Florenza, poi che se' sí grande Seguem os dois poetas até o pontalão da oitava vala do mesmo Círculo - Canto XXVI, e de lá de cima vislumbram almas envoltas em compridas chamas acesas, movendo-se incessantemente. Nas chamas, ocultos, estavam os conselheiros fraudulentos. Altos funcionários da administração central de Florença, que depois verificou-se, terem sido ladrões públicos. Lá também, relata-se no Canto XXVII, arde a alma de um conselheiro papal - Guido de Montefeltro - famoso e rico na época. Há um diálogo entre Virgílio e ele, e Dante, sem saber de quem se trata, pois não lhe vê o rosto envolto em chamas, ouve-o com atenção. Só depois é que o vai identificando completamente. Guido revela seu conselho ao Papa Bonifácio VIII (líder de um grupo de cardeais conhecido como Fariseus) durante uma intriga contra outras figuras do cardinalato romano na luta pelo poder papal, e que resultou na morte de duas importantes figuras da Cúria romana - Jacó e Pedro, dois cardeais rivais de Bonifácio : - "...Muita promessa e pouco atendimento..." foi o conselho dado ao papa, que, obviamente, o aceitou.
No Canto XXVIII, chegam os poetas
à nona vala do Círculo oitavo e lá estão,
sofrendo terríveis golpes e mutilações a fio
de espada os promotores de cismas religiosas, ódios, divisões
e discóridas entre pessoas e povos. Ali ouvem a Maomé
e ao seu genro Ali, considerados responsáveis por cismas religiosos,
e a Pier de Medicina, notório intrigante político, semeador
de discórdias e cizâneas, que residira em Borgonha. Lá
também se apresenta a alma de Bertrand de Born, um jovem poeta
provençal aceito nas cortes e que na Inglaterra instigou o
também jovem Herinque, príncipe herdeiro do trono inglês,
a rebelar-se contra seu pai, o Rei Henrique II.
Alcançam
os poetas a décima vala do Círculo oitavo, a última,
no Canto XXIX, onde se encontram os falsários, e o
primeiro grupo é dedicado aos alquimistas - os que falsificaram
metais preciosos - lá os réus estão estendidos
no solo, exânimes, recobertos de lepra ou sarna da cabeça
aos pés, tornando-os quase imóveis.
"...duas vi sentadas, costas contra
costas, como assadeiras postas para esquentar, cobertas, da cabeça
aos pés, de crostas." No Canto XXXI, os poetas chegam ao poço dos Gigantes, que de longe pareciam torres e só se podia vê-los da cintura para cima, todos acorrentados - gigantes mitológicos que movidos por ciúmes lutaram contra os deuses gregos pela conquista do Olimpo e foram derrotados -, menos Anteu a quem pedem que os leve até o Círculo nono. Com sua mão enorme o gigante os pega e os deposita suavemente no solo do último círculo. "...De um deles via já a cara, os dilatados ombros, o peito, e do ventre grã parte, e os braços, tesos em ambos os lados." Na planície deste círculo formada pelas águas congeladas do lago Cocito, açoitadas pelo vento das asas de Lúcifer, que assim o mantém gelado, estão os traidores situados em quatro giros concêntricos. É no Canto XXXII, que se encontram a Caína para os que atraiçoaram o próprio sangue, a Antenora, para os que atraiçoaram a Pátria, a Toloméia, para os que traíram os amigos e finalmente a Judeca, para aqueles que traíram seus chefes e benfeitores. No lago congelado, a Caína, estão, a bater os dentes eternamente de frio e enterrados até a cabeça, na lama congelada, aqueles que traíram seus parentes. "...Até aonde manifesta-se a vergonha lívidas sombras no gelo afundavam, batendo os dentes como faz cegonha." Lá
está também o Rei Arthur, condenado por ter matado
com um só golpe de lança seu filho/sobrinho Mordrec,
que se rebelara contra ele instigado por Bertrand de Born (o mesmo
poeta que anda com a cabeça separada do corpo como castigo
por pregar o ódio e a desavença entre as pessoas -
vide canto XXVIII.) Segue-se, na Antenora, um econtro com vários
conhecidos de Dante e que traíram a cidade de Florença,
o partido político e a Pátria. Dante descobre então tratar-se do Conde Ugolino della Gherardesca, que morreu de fome juntamente com seus dois filhos, traídos por um aliado político, o Arcebispo Rogério, que após um golpe de estado, decidiu deter para si todo o poder na cidade de Pisa, famosa pela sua torre inclinada (Outra torre famosa é conhecida como a torre da fome - justamente onde morreram os três infelizes.) A narrativa do fato é triste e cruel; o narrador pretende infundar no poeta que o escuta parte da dor que sentira. Vira seus filhos morrerem de fome, presos numa torre, e estes permitiram que o pai os comesse, após as mortes, para que assim pudesse o ancião sobreviver por mais tempo e intentar a fuga ou a vingança - "...de ti, de tua carne viemos e a ti retornaremos...", disseram-lhe os filhos moribundos, morrendo um a um. Há alguns exegetas que afirmam ter Ugolino, não resistindo à fome, chegado a uma cena de antropofagia (embora não dito no poema, pode-se inferir tal cena, com um pouco de, digamos, humor negro a guiar nossas inventivas). Por isso, à nuca de seu antigo algoz, prosseguindo na infernal e furiosa vingança, via-se agora agarrado o conde, "...cravando-lhe os dentes, até os ossos, como um cão faria..."
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